Um diálogo que apela à ação: Financiando a conservação, a restauração e o avanço da abordagem de saúde única na Amazônia

No dia 21 de novembro de 2024, a Painel Científico para a Amazônia (SPA), em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), organizou uma conferência fundamental na Academia Brasileira de Ciências, no Rio de Janeiro. Realizado por ocasião da COP29 e das reuniões do G20, o evento, intitulado "Financiamento da Conservação, Restauração e Avanço da Abordagem de Saúde Única na Amazônia" reuniu formuladores de políticas, pesquisadores, líderes do setor privado e cientistas para discutir soluções para conservação, restauração e saúde na região amazônica.

O seminário marcou o lançamento de dois Policy Briefs do SPA:

O evento proporcionou uma plataforma para a apresentação das principais conclusões desses policy briefs, destacando a interconexão crítica entre os ecossistemas amazônicos e a saúde humana e abordando os mecanismos financeiros para alcançar a restauração em larga escala e o desenvolvimento sustentável na Amazônia.


Discurso de abertura: Preparando o palco

Emma Torres, Coordenadora Estratégica do SPA, abriu o evento enfatizando a importância global da Amazônia como uma potência da biodiversidade. Ela apresentou os participantes do painel e ressaltou a urgência dos desafios abordados nos resumos de políticas.

Luis Davidovich, ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências e membro do Comitê Estratégico do SPA, exemplificou o potencial da bioeconomia da Amazônia como uma espécie vegetal de "novo petróleo", enfatizando seu papel na promoção do desenvolvimento sustentável e na preservação dos ecossistemas da região.

Paulo Gadelha, Coordenador da Estratégia da Fiocruz para a Agenda 2030, destacou a abordagem integrada One Health, observando que a saúde e o bem-estar das comunidades amazônicas estão intrinsecamente ligados à preservação de sua sociobiodiversidade.

Nilza Rogeria Nunes, coordenadora do Projeto de Pesquisa de Extensão sobre Saúde na Amazônia da PUC-Rio, ressaltou a importância de combinar a pesquisa científica com o conhecimento local para enfrentar os desafios da saúde e promover um modelo de desenvolvimento centrado no bem-estar.


Principais percepções dos Policy Briefs

Desafios ambientais e de saúde na Amazônia

Ylana Rodrigues, autora do One Health Policy Brief, destacou os impactos em cascata da degradação ambiental e da mudança climática nos sistemas de saúde da Amazônia. As comunidades vulneráveis enfrentam a deterioração da infraestrutura, crises de saneamento e riscos crescentes de doenças infecciosas.

As principais recomendações incluem:

  • Abordagem das desigualdades sociais, com foco em grupos marginalizados.

  • Fortalecimento dos sistemas de saúde e saneamento, especialmente em áreas remotas e mal atendidas.

  • Priorização de comunidades indígenas, locais e remotas no desenvolvimento de políticas de saúde.

  • Elaborar e implementar urgentemente planos de adaptação e mitigação climática para proteger a saúde e o bem-estar.

  • Redução do risco de doenças infecciosas emergentes por meio da melhoria da infraestrutura de saúde e dos sistemas de monitoramento.

  • Promover a restauração, a conservação e os sistemas alimentares sustentáveis como componentes essenciais da saúde e da resiliência ambiental.

Ampliação da restauração florestal

Catarina Jakovac, principal autora do resumo focado na restauração, alertou sobre a possível trajetória da Amazônia rumo ao colapso do ecossistema e delineou estratégias para a restauração em larga escala, incluindo:

  • Conservar e proteger florestas primárias e secundárias e, ao mesmo tempo, promover a regeneração natural em paisagens menos degradadas.

  • Desenvolvimento de cadeias de suprimento de sementes e mudas de espécies nativas para aprimorar os esforços de restauração.

  • Fortalecimento da sociobioeconomia amazônica para criar meios de subsistência sustentáveis.

  • Promover o engajamento, a capacitação e a integração do conhecimento com os povos indígenas e as comunidades locais.

  • Aprimoramento das políticas públicas e da governança para apoiar iniciativas de restauração eficazes.

  • Garantir mecanismos de financiamento flexíveis para assegurar que todos os estágios da restauração sejam adequadamente apoiados.


Insights críticos dos copresidentes do SPA e painel de discussão

Carlos Nobre, copresidente do SPA, destacou o risco crítico da Amazônia de cruzar um ponto de inflexão, onde a degradação adicional poderia levar ao colapso de cerca de 70% do ecossistema até 2100. Ele ressaltou que as secas recordes de 2024 são uma consequência direta da atividade humana e das mudanças climáticas. De acordo com Nobre, a Amazônia está se aproximando de um "ponto sem retorno", com a destruição contínua exacerbando os eventos climáticos extremos. Ele também observou que, embora o desmatamento na Amazônia tenha diminuído nos últimos anos, os incêndios florestais causados por seres humanos e a degradação florestal aumentaram significativamente em comparação com anos anteriores, representando uma ameaça ainda mais significativa à resiliência da região.

Marielos Peña-Claros, copresidente do SPA, enfatizou a necessidade de colaboração multissetorial, com o SPA desempenhando um papel fundamental na integração do conhecimento científico, da sabedoria tradicional e da cooperação internacional para enfrentar os desafios da Amazônia. Ela destacou o conceito de "Arcos de Restauração" como uma estrutura que moldou os esforços de restauração do Brasil e os mecanismos de financiamento de instituições como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Marielos também observou a defesa do SPA junto ao Parlamento Andino para declarar a Amazônia uma zona de emergência devido ao desmatamento e seu diálogo contínuo com o setor financeiro para promover práticas sustentáveis.

Ylana e Catarina se juntaram a Nathália Nascimento, uma das principais autoras do resumo da política de restauração, para um painel de discussão sobre ambos os policy briefs de políticas. Elas destacaram os impactos da degradação da Amazônia sobre a saúde global, enfatizando que a poluição e os riscos de doenças na região afetam não apenas a Amazônia, mas também a saúde global. Eles enfatizaram que a restauração do ecossistema é crucial para a estabilidade climática e a saúde pública. O painel também ressaltou a importância de respeitar as perspectivas de saúde das comunidades indígenas e locais, com base no conceito de "bem viver" - umavisão holística de bem-estar ligada à natureza e ao território. Nathália destacou a necessidade de ouvir essas comunidades para enfrentar os desafios ambientais e de saúde de forma eficaz e pediu abordagens mais inclusivas e culturalmente respeitosas na elaboração de políticas e nos mecanismos de crédito de carbono.


Financiamento e implementação: Perspectivas de especialistas

Um painel diversificado de investidores financeiros ofereceu soluções para superar os desafios financeiros e de implementação na conservação e restauração:

  • Marcus Cardoso (BNDES): Compartilhou a ambiciosa meta do banco de restaurar e conservar até 6 milhões de hectares da Amazônia até 2030, com um investimento de US$ 10 bilhões para a restauração ativa. Ele enfatizou a necessidade de parcerias público-privadas mais fortes para ampliar os esforços de restauração e expandir a bioeconomia da floresta em pé. Ele também destacou o uso do Fundo Amazônia como um mecanismo de financiamento fundamental, observando seu retorno de baixo risco de 1% ao ano. Marcus mencionou a alocação de US$ 1,45 milhão do Fundo Amazônia para projetos aprovados, como o Monbak e o Regreen, que se alinham à estratégia de restauração do banco.

  • Renato Crouzeilles (Mombak): Discutiu a importância das parcerias público-privadas, do "financiamento misto" e dos mecanismos financeiros inovadores no enfrentamento das crises climáticas e de saúde. Ele apontou os desafios de ampliar projetos bem-sucedidos isolados e enfatizou a necessidade de abordagens cooperativas e baseadas em consórcios para reunir recursos e alcançar a restauração em larga escala. Renato enfatizou que a integração da restauração com a bioeconomia e o envolvimento das comunidades locais são fundamentais para criar uma transformação estrutural. Ele também enfatizou o papel fundamental do setor privado e do financiamento sustentável no apoio a esses esforços.

  • Pedro Moura Costa (BVRio e autor principal do SPA): Criticou o atual mercado de crédito de carbono, descrevendo-o como ineficaz no apoio a projetos de restauração em larga escala, especialmente aqueles que não geram receita direta. Ele enfatizou a necessidade de mecanismos de financiamento inovadores, sugerindo parcerias público-privadas lideradas pelo Estado que incluam garantias e investimentos diretos para preencher essa lacuna. Pedro também propôs o uso de acordos bilaterais entre países, coordenados por ações governamentais eficazes, como forma de ampliar os esforços de restauração. Além disso, ele destacou o Artigo 6.2 do Acordo de Paris como uma possível estrutura para financiar iniciativas de restauração em nível global, ao mesmo tempo em que enfatizou a importância de dividir as fontes de financiamento entre as diferentes fases da restauração.

  • Adriana Gioda (PUC-Rio): Conectou os esforços de restauração aos benefícios para a saúde, defendendo políticas que integrem a restauração ecológica ao bem-estar humano. Ela pediu políticas mais coordenadas que fortaleçam os vínculos entre a restauração e os resultados de saúde pública, promovendo a sustentabilidade ambiental e a melhoria da saúde pública na Amazônia.

  • Eduardo Rimoli (Fundação Black Jaguar): Destacou a importância de envolver as comunidades locais em iniciativas de restauração e garantir mecanismos de governança robustos que assegurem transparência e responsabilidade. Ele discutiu a necessidade de mudas acessíveis e resistentes (custando menos de R$ 3,00 por muda) e um modelo de governança forte que garanta a responsabilidade social e ambiental. Eduardo enfatizou que esse modelo de governança é crucial para apoiar os benefícios sociais da restauração e fortalecer a bioeconomia da Amazônia.


Principais conclusões

O evento foi concluído com reflexões sobre o alinhamento das iniciativas de conservação, restauração e saúde na Amazônia. Os participantes do painel concordaram em buscar mecanismos financeiros robustos e fontes de financiamento inovadoras para apoiar projetos de grande escala, ampliando os investimentos públicos e privados e garantindo o envolvimento da comunidade local. O fortalecimento das estruturas de governança para garantir a responsabilidade e a transparência também foi destacado como uma prioridade fundamental.

Marielos Peña-Claros enfatizou a importância de um programa nacional de restauração que una esforços em toda a Amazônia, observando que as ações em um país impactam outros e enfatizando o papel das parcerias público-privadas. Carlos Nobre ressaltou a necessidade de conectar os serviços ecossistêmicos, garantindo que os esforços de restauração sejam integrados em uma rede de conservação maior, vital para a sustentabilidade de longo prazo.

Emma Torres enfatizou a urgência da colaboração multissetorial, pedindo mais investimentos para proteger os ecossistemas da Amazônia e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida de seus habitantes. Ela destacou a necessidade de ações urgentes e o papel da governança na condução desses esforços.

O evento também enfatizou a integração da ciência, da tecnologia e do conhecimento tradicional como uma abordagem holística para enfrentar os desafios da Amazônia. Ao promover parcerias inovadoras e alavancar mecanismos financeiros, as partes interessadas podem trabalhar em prol de uma bioeconomia sustentável que priorize a resiliência ecológica e o bem-estar humano. Realizado durante a COP29 e as reuniões do G20, o evento serviu como um chamado à ação, mostrando o potencial transformador de soluções colaborativas e baseadas na ciência para garantir o futuro da Amazônia.

Assista ao evento (em português).

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